Por André Luiz Sampaio Fernandes, Valeska Rodrigues e Paulo Dernovsek Zerbinatti
RESUMO
O exame ultrassonográfico do fígado em pequenos animais é de extrema importância, pois por meio deste podem-se observar alterações morfológicas indicativas de determinadas afecções, que com o auxílio de exames complementares e associados aos achados clínicos e históricos dos pacientes, são suficientes para o diagnóstico definitivo de determinadas enfermidades hepáticas em cães e gatos.
Assim, o presente trabalho teve como objetivo avaliar 1.966 laudos ultrassonográficos de cães e gatos atendidos no Hospital Veterinário da Universidade de Franca no período entre janeiro de 2010 e agosto de 2016, com o intuito de identificar alterações hepatobiliares nos exames e por meio de estudo bibliográfico, correlacionar as suas prováveis causas, avaliar a prevalência de determinadas alterações hepatobiliares nas espécies canina e felina e avaliar a média de idade dos animais que apresentaram alguma alteração relacionada a este sistema. Foram encontrados 684 laudos de pacientes caninos e 59 laudos de pacientes felinos apresentando uma ou mais alterações no sistema hepatobiliar, podendo ser ela parenquimal, estrutural, vesicular ou vascular, demonstrando que um total de 37,8% dos animais (incluindo cães e gatos) atendidos neste período apresentou alguma alteração relacionada ao sistema hepatobiliar. A idade média observada de animais apresentando alguma alteração deste sistema no exame ultrassonográfi co foi de 8,7 anos para cães e de 6,5 anos para gatos. Por meio deste estudo foi possível uma melhor compreensão das alterações ultrassonográficas do sistema hepatobiliar, em cães e gatos, a respeito de suas características no exame, possíveis causas, prevalência e idade média dos animais com alteração.
Palavras-Chave:
Ultrassonografia hepática.
Exames complementares. Doenças hepatobiliares. Cães, gatos.
ABSTRACT
Ultrasound examination of the liver in small animals is extremely important because it is possible to observe morphological changes indicative of certain diseases, which, with the aid of complementary tests and associated with the clinical and historical fi ndings of the patients, are suffi cient for the defi nitive diagnosis of certain hepatic diseases in dogs and cats. Thus, the present study aimed to evaluate 1,966 ultrasonographic reports of dogs and cats treated at the Veterinary Hospital of the University of Franca in the period between January 2010 and August 2016, with the purpose of identifying hepatobiliary changes in the exams and through a bibliographic study to correlate their probable causes, to evaluate the prevalence of certain hepatobiliary changes in canine and feline species and to evaluate the average age of the animals that presented some alteration related to this system. There were 684 reports of canine patients and 59 reports of feline patients presenting one or more alterations in the hepatobiliary system, it may be parenchymal, structural, vesicle or vascularization, demonstrating that a total of 37.8% of the animals (including dogs and cats) attended in this period he presented some changes related to the hepatobiliary system. The observed mean age of animals presenting some alteration of this system in the ultrasound examination was of 8.7 years for dogs and of 6.5 years for cats. By means of this study it was possible to better understand ultrasonographic alterations of the hepatobiliary system in dogs and cats, regarding its characteristics in the examination, possible causes, prevalence and age of the animals with alteration.
Keywords:
Hepatic ultrasonography. Complementary examinations. Hepatobiliary diseases. Dogs, cats.
INTRODUÇÃO
Atualmente os animais de estimação, como os cães e gatos, possuem papel importantíssimo na rotina dos seres humanos, trazendo benefícios de saúde mental e física para o homem. Com isso, o número de animais de companhia está crescendo cada dia mais e, a partir da melhoria na qualidade de vida desses, o tempo de vida é cada vez maior, levando a um maior aparecimento de doenças relacionadas à geriatria (DONNARUMMA et al., 2007).
Com o desenvolvimento de métodos diagnósticos na Medicina Veterinária, como o uso da ultrassonografia e outros exames complementares, há uma maior notificação e identificação de enfermidades, aumentando assim a casuística de doenças principalmente relacionadas ao sistema hepatobiliar, pois o ultrassom é um dos melhores métodos para avaliação deste sistema em pequenos animais (LOPES, 2012; ASSAWARACHAN et al., 2019). Segundo Assawarachan et al. (2019), doenças do sistema hepatobiliar estão entre as principais causas de mortalidade em animais de pequeno porte.
O fígado é um dos maiores órgãos intra-abdominais, ocupando assim a maior parte da cavidade abdominal cranial, com uma porção maior estendendo-se à direita da linha média. É limitado cranialmente pelo diafragma e caudalmente pelo estômago. Além disso, o lobo caudado deste órgão se conforma ao polo craniano do rim direito para formar a fossa renal (WINTER et al., 2023).
Várias afecções hepáticas são suspeitadas em cães e gatos à ultrassonografia e cursam com alterações focais, multifocais ou parenquimatosas difusas. A avaliação hepática deve incluir vários parâmetros: tamanho e contorno hepático, ecogenicidade parenquimatosa, atenuação do feixe de ultrassom e distribuição das anormalidades (PENNICK et al., 2015). Esta técnica de exame de imagem possui limitações, pois os achados no exame não são totalmente fidedignos de uma doença especificamente, não demonstra carácter histológico do tecido, apenas fornece um auxílio para exames associados, devendo sempre correlacionar o histórico, sinais clínicos e outros exames complementares como a biópsia e citologia para diagnóstico definitivo (ASSAWA-RACHAN et al., 2019).
Além de proporcionar uma avaliação muito ampla do sistema hepatobiliar, o exame ultrassonográfico também pode ser usado para fins de tratamento, como por exemplo, nos casos de drenagem percutânea de abscessos hepáticos, cujo exame ultrassonográfico serve de guia para a realização do procedimento (PENNICK et al., 2015).
Associado a ultrassonografia, a técnica de Doppler colorido é amplamente utilizada na rotina da Medicina Veterinária atualmente, podendo auxiliar na observação da direção do fluxo sanguíneo, velocidade e visibilização de fluxo sanguíneo tortuoso, auxiliando também na distinção de neoplasias. O power Doppler demonstra maior sensibilidade ao fluxo lento e melhor visibilização de vasos tortuosos do que o Doppler colorido comum, porém ainda não é amplamente utilizado na Medicina Veterinária (HERRGESELL et al., 2005).
Observando-se a importância do exame ultrassonográfico para auxílio no diagnóstico de enfermidades associadas ao sistema hepatobiliar em pequenos animais, objetiva-se com esse trabalho avaliar as alterações hepatobiliares nos exames ultrassonográficos de cães e gatos, correlacionando por meio de dados bibliográficos as suas possíveis causas. Também teve como objetivos, coletar dados da casuística de determinadas alterações dos cães e gatos, além de avaliar a média de idade dos animais acometidos por alterações deste sistema.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram avaliados 1.966 laudos ultrassonográficos de cães e gatos, machos e fêmeas, sem restrição de idade, atendidos no Hospital Veterinário da UNIFRAN no período entre janeiro de 2010 a agosto de 2016, em busca de achados com alguma alteração no exame ultrassonográfico hepático, incluindo alterações de tamanho, parênquima, ecogenicidade, anormalidades focais e difusas, alterações vasculares, como, a presença de vasos evidentes, pouco evidentes, tortuosidades e aumento do calibre vascular, e alterações do sistema biliar, como, a presença de cálculos biliares, espessamento de parede e dilatação de ductos biliares. Para o exame ultrassonográfico dos animais, foi utilizado aparelho de ultrassonografia modelo DPS 2200 (Mindray®) e transdutor microconvexo multifrequêncial de cinco a oito MHz. Anteriormente ao exame era recomendado aos proprietários a realização do preparo para o exame, por meio de jejum alimentar de oito a doze horas para os pacientes. Era realizada tricotomia ampla, a partir do décimo espaço intercostal, prévia aos exames dos animais, conforme recomendação do médico veterinário. Foi feita uma planilha para cada espécie (canina e felina) no programa Excel, contagem dos animais com determinado tipo de alteração e com alterações associadas, relacionadas ao sistema hepatobiliar, correlacionando tais alterações com descrições na literatura, determinando assim as possíveis causas das alterações no ultrassom e a prevalência das alterações nas espécies canina e felina. Também foi avaliada a média de idade dos animais acometidos com algum distúrbio relacionado ao sistema hepatobiliar no exame ultrassonográfico.
RESULTADOS
Dos 1.966 laudos analisados, foram encontrados 684 laudos de pacientes caninos e 59 laudos de pacientes felinos apresentando uma ou mais alterações do sistema hepatobiliar no exame ultrassonográfico, sendo equivalente a 37,8% do número total de laudos avaliados.
Os resultados demonstrados nos gráficos foram expressos de forma descritiva em porcentagem, sendo equivalentes ao número total de animais, para cada espécie, com alterações do sistema hepatobiliar presente nos laudos, sendo 684 para cães e 59 para gatos.
O Gráfico 1 representa a porcentagem dos cães e gatos que apresentaram anormalidades focais anecoicas, hipoecoicas, hiperecoicas e de ecogenicidade mista, respectivamente no exame ultrassonográfico.
O Gráfico 2 representa a porcentagem dos cães e gatos que apresentaram ecogenicidade reduzida de forma difusa e alterações associadas a esta anormalidade, no exame ultrassonográfico.
O Gráfico 3 representa a porcentagem de cães e gatos que apresentaram ecogenicidade aumentada de forma difusa e alterações associadas a esta anormalidade, no exame ultrassonográfico.
O Gráfico 4 representa a porcentagem dos cães e gatos que apresentaram ecogenicidade mista de forma difusa e alterações associadas a esta anormalidade, no exame ultrassonográfico.
O Gráfico 5 representa a porcentagem dos cães e gatos que apresentaram anormalidades do sistema biliar, no exame ultrassonográfico.
O Gráfico 6 representa a porcentagem de cães e gatos que apresentaram a presença de vasos tortuosos e alterações associadas a esta anormalidade, no exame ultrassonográfico.
O Gráfico 7 representa as médias de idade dos cães e gatos que apresentaram anormalidade (s) do sistema hepatobiliar, no exame ultrassonográfico, apresentando idade mínima de dois meses e máxima de 17 anos.
DISCUSSÃO
Anormalidades focais
Alterações focais de parênquima hepático podem ser ocasionadas por cistos, hematomas, abscessos, necrose, granulomas, hiperplasia nodular, hemorragias e neoplasias primárias ou metastáticas (NYLAND et al., 2015).
Cistos hepáticos são comumente encontrados de forma acidental no exame ultrassonográfico, com ausência, na maioria dos casos, de sintomatologia clínica, porém podem apresentar sinais inespecíficos oriundos de uma doença policística hepática (associada à doença policística renal), compressão de outras estruturas próximas ao local ou ainda se houver uma infecção cística secundária. A etiologia dos cistos hepáticos pode ser congênita (casos de doença renal policística) ou adquirida (traumas ou processos inflamatórios), podem apresentar-se solitários ou difusos no parênquima hepático ou até mesmo afetando o trato biliar. Ultrassonograficamente os cistos geralmente se apresentam como estruturas bem defiidas, circundadas por paredes finas, anecogênicos, possuindo forte reforço acústico distal, bordas distais afiladas e zonas periféricas refletivas e refrativas (HERRGESELL et al., 2005).
Artefatos de reverberação são comumente observados próximos ao cisto. Os cistos podem também apresentar características diferentes das citadas anteriormente, demonstrando paredes irregulares, presença de ecoseseptações. Aspiração percutânea do cisto, guiada por ultrassom, para cultura bacteriológica e citologia para definir um diagnóstico diferencial de outras possíveis afecções focais (como no caso de neoplasias císticas) é indicada (HERRGESELL et al., 2005).
No presente trabalho foram observadas anormalidades focais anecóicas em 1,1% dos caninos e em 1,7% dos felinos. Os resultados obtiveram pouca diferença em relação aos apresentados por Lopes (2012), com formações císticas em 1,48% dos caninos e em 1,34% dos felinos. Hematomas hepáticos geralmente têm origem traumática. Seus aspectos internos ultrassonográficos variam conforme a sua evolução. Aspectos hemorrágicos agudos geralmente apresentam-se mais ecogênicos. Posteriormente, o aspecto interno do hematoma tende a se apresentar de forma hipoecoica ou anecoica, seguido da formação do coágulo, apresentando-se ecogênico. Apresentam margens irregulares e de difícil definição, diferentemente dos cistos. Com a retração do coágulo e sua lise, apresentam padrão misto, com porções ecogênicas e porções anecogênicas. Após períodos de semanas a meses, os coágulos tendem a se apresentarem de forma totalmente anecoica (HERRGESELL et al., 2005).
Com a evolução do hematoma, seu aspecto tende a ser parecido com outras enfermidades, como por exemplo, abscessos e necrose. Assim, somente com o exame ultrassonográfico não é possível definir o diagnóstico, portanto, devem-se levar em consideração outros achados como histórico de traumas, pirexia, hemorragia, idade, leucocitose com desvio a esquerda e análises bioquímicas para avaliar possíveis diagnósticos diferenciais, podendo necessitar de exames como aspiração percutânea por agulha fina para cultura e citologia (PENNICK et al., 2015).
Abscessos hepáticos não são comumente encontrados em cães e gatos e sua causa primária de forma espontânea não está muito bem compreendida. Há relatos de que possa estar associado a infecções em outros órgãos. Um estudo demonstrou que a principal bactéria isolada de abscessos hepáticos foi a Escherichia coli. Foi associada à presença de abscessos hepáticos em cães portadores de Diabetes mellitus. Animais com corpos estranhos penetrantes, pancreatite e neoplasias também foram identificados com abscessos hepáticos associados (NYLAND et al., 2015).
Ultrassonograficamente os abscessos tendem a apresentarem-se como estruturas cavitárias, hipoecoicas, podendo ser ovais ou arredondadas, irregulares ou regulares (SCHWARZ et al., 1998 apud D’ANJOU, 2011,p.231). Dependendo do tempo de formação do abscesso, ele pode se apresentar em formas de lesões com características variadas, podendo ser encontrados com aspectos anecoicos, hiperecoicos, hipoecoicos ou isoecoicos. Quando houver associação de bactérias produtoras de gás, geralmente este pode ser observado no abscesso, produzindo artefatos de reverberação e, nestes casos, o abscesso apresenta aspecto hiperecoico (HERRGESELL et al., 2005). Outros achados são linfoadenopatia local ou regional, ascite e artefatos de ganho acústico (D’ANJOU, 2011). Pode estar associada também a presença de anorexia, letargia, emagrecimento, êmese e dores abdominais nos animais com abscessos hepáticos (RADLINSKY, 2014).
Para diagnóstico diferencial e definitivo, a aspiração percutânea com agulha fina guiada por ultrassom para cultura e citologia é a mais indicada nestes casos. A técnica de aspiração deve ser realizada por profissional experiente, pois o rompimento do abscesso poderia levar a maiores complicações do caso. A técnica de aspiração por agulha fina também pode ser utilizada para drenagem de abscessos em cães (HERRGESELL et al., 2005).
Os granulomas hepáticos em cães e gatos geralmente estão associados a doenças fúngicas ou a peritonite infecciosa felina (em felinos). Apresentam-se ultrassonograficamente como nódulos hiperecoicos, bem definidos e com possível presença de sombra acústica associada devido à calcificação (D’ANJOU,2011).
A mineralização hepática pode estar associada à presença de granulomas ou hematomas, e também a neoplasias malignas, visibilizada ultrassonograficamente como focos hiperecoicos com sombra acústica (D’ANJOU,2011).
Necroses hepatocelulares podem ser classificadas como necrose coagulativa e necroselítica, e ainda serem divididas de acordo com a sua distribuição, em necrose hepatocelular aleatória focal ou multifocal (distribuídos aleatoriamente dentro do lóbulo) e necrose hepatocelular zonal (distribuição zonal) (SEVERO,2011).
A necrose hepática pode ser causada por diversos fatores, incluindo lesões químicas, tóxicas, virais e imunomediadas. Apresenta padrão variável, podendo ser difuso ou multifocal. Lesões hipoecoicas multifocais em um cão com necrose hepática comprovada por biópsia foram relatadas (HERRGESELL et al., 2005).
Outro achado focal, a hiperplasia nodular benigna do fígado, é caracterizada pela formação de nódulos bem delimitados, múltiplos, de distribuição multifocal pelo parênquima hepático. Tem maior ocorrência em cães mais velhos e é raro em gatos, apresentando-se com frequência de 70 a 100% em cães acima de 14 anos e geralmente não tem interferência na função orgânica hepática (SEVERO, 2011). Ultrassonograficamente apresenta-se de forma variável, mas na maioria dos casos aparecem como nódulos hipoecoicos, podendo ser isoecoicos, hiperecoicos ou com ecogenicidade mista. A biópsia aspirativa nestes casos serve somente para diferencial de neoplasias, principalmente metastáticas, não se obtendo diagnóstico definitivo de hiperplasia nodular benigna (HERRGESELL et al., 2005).
As neoplasias hepáticas são uma das principais indicações de avaliação ultrassonográfica do fígado, porém em animais mais velhos com hepatomegalia generalizada é difícil a observação de lesões compatíveis com neoplasias. As neoplasias hepáticas podem ser de origem primária ou metastática. Nos cães e nos gatos, a maior ocorrência é de tumores metastáticos. Os principais tumores primários do fígado são adenoma e carcinoma hepatocelulares, adenoma e carcinoma colangiocelulares e hemangiossarcomas (HERRGESELL et al., 2005).
Tumores metastáticos no fígado são na maioria das vezes carcinomas. Geralmente tem como origem o estômago, pâncreas, glândulas mamárias, intestinos e sarcomas esplênicos, como por exemplo, hemangiossarcomas e linfossarcomas (NYLAND et al., 2015). Na espécie canina, os tumores de mama são as principais neoplasias que metastatizam para o fígado. Tumores multicêntricos são tumores cujo local primário não é definido e também podem afetar o fígado de forma secundária. Em um estudo realizado no qual foi pesquisada a causa da morte de 4.844 cães, 378 cães apresentavam tumores e o fígado foi o segundo órgão mais acometido por tumores secundários (SEVERO, 2011).
Tanto os tumores primários quanto os metastáticos podem ter um envolvimento focal ou difuso do fígado. As formas ultrassonográficas das neoplasias hepáticas são variáveis, por isso é importante realizar a citologia aspirativa por agulha fina, para obtenção do tipo celular da lesão neoplásica e poder diferenciá-la, associada à biópsia para confirmação do diagnóstico. Ultrassonograficamente não é possível diferenciar uma neoplasia primária de uma secundária, porém algumas neoplasias apresentam características ultrassonográficas que associadas aos achados clínicos podem indicar determinado tipo de lesão neoplásica. O linfossarcoma hepático pode ser um exemplo, que geralmente apresenta anormalidades parenquimais hipoecoicas focais ou multifocais (HERRGESELL et al., 2005).
Em um estudo realizado com 48 casos de tumores hepáticos primários e secundários em cães, os carcinomas hepatocelulares se apresentaram, na maioria das vezes, como uma massa individual e hiperecoica. Carcinomas geralmente costumam se apresentar como lesões multifocais em formato de alvo com centro hiperecoico e circundados por uma cápsula hipoecoica. Lesões císticas apresentando paredes finas, multifocais ou focais, podem indicar cistoadenomas biliares, ocorrendo em gatos idosos, no entanto, lesões hiperecoicas ou com ecogenicidade mista também são observadas em cistoadenomas biliares em gatos (HERRGESELL et al., 2005).
É muito comum nos casos de neoplasias hepáticas, observar lesões focais ou multifocais, hipoecoicas ou mistas (Figura 1). Neoplasias benignas geralmente são encontradas como lesões solitárias, o animal apresenta-se hígido e com tamanho hepático normal. Esses achados não são regra, pois tumores primários malignos ou metástases hepáticas também podem se apresentar como lesões individuais. Por isso é necessária à varredura completa do abdômen em todos os casos para avaliação de toda cavidade peritoneal, avaliando a integridade de outros órgãos (NYLAND et al., 2015).
As anormalidades focais hipoecoicas observadas neste trabalho ocorreram em 2,5% dos caninos e em nenhum felino, resultados estes que foram incompatíveis em relação aos felinos apresentados por Lopes (2012), com formações hipoecogênicas em 1,94% dos caninos e em 2,68% dos felinos. As anormalidades focais hiperecoicas observadas neste trabalho foram de 1,6% nos caninos e em nenhum felino, resultados estes que também foram incompatíveis com os apresentados por Lopes (2012), com formações hiperecogênicas em 3,88% dos caninos e em 2,01% dos felinos. Anormalidades focais hipoecoicas e hiperecoicas podem ser indicativas de afecções como hiperplasia nodular benigna e neoplasias. Segundo Watson (2015), é incomum ou rara a presença de neoplasias (primárias ou secundárias) nos felinos, e é mais comum à ocorrência de hiperplasia nodular em caninos quando comparado com os felinos. Desta forma, justifica-se assim a maior ocorrência de alterações com estas características em cães no presente trabalho.
As anormalidades focais com ecogenicidade mista, neste trabalho, foram observadas em 1,7% dos caninos e em 1,7% dos felinos.
Anormalidades difusas
A redução da ecogenicidade (hipoecogenicidade) hepática é observada a partir da observação de um córtex renal mais ecogênico em relação ao parênquima hepático, e a veia porta apresenta-se com a parede mais bem definida. Lesões difusas, como linfoma e leucemia, estão associadas à diminuição da ecogenicidade hepática em cães e gatos (HERRGESELL et al.,2005). No presente trabalho foi observada diminuição da ecogenicidade em 20,4% dos caninos, sendo a segunda alteração mais observada nos cães estudados, nos felinos foi observado em 13,5%, sendo a terceira alteração mais observada nesta espécie. Os resultados obtiveram pouca diferença entre os apresentados por Lopes (2012), com redução da ecogenicidade em 14,96% dos caninos e 16,78% dos felinos. A hepatite aguda é uma condição que ocorre juntamente com a necrose hepatocelular. Assim, há uma migração de neutrófilos, linfócitos, plasmócitos e macrófagos para as áreas de necrose a partir de estímulos quimiotáticos. A principal via de agentes etiológicos inflamatórios hepáticos em cães e gatos é a hematógena (SEVERO, 2011). É importante salientar que a leptospirose é uma das principais doenças causadoras de hepatite aguda em cães, que tem como agente etiológico as bactérias gram negativas do gênero Leptospira spp.
Ultrassonograficamente a hepatite aguda geralmente não leva a alterações de ecogenicidade do parênquima hepático, porém ela pode apresentar-se reduzida e com a visibilização intensificada dos vasos portais, pela maior intensidade dos ecos próximos a estes (HERRGESELL et al., 2005). No presente trabalho foi observada a presença de ecogenicidade reduzida com vasos evidentes em 5,4% dos caninos e em 1,7% dos felinos.
Ecogenicidade reduzida do parênquima hepático também é observada nos casos de congestão passiva do fígado, associada à hepatomegalia e aumento do calibre venoso hepático. Nestes casos, normalmente indica alteração primária cardíaca e não hepática (HERRGESELL et al., 2005). No presente trabalho foi observada a associação destas alterações em 3,2% dos caninos e em 1,7% dos felinos. Os resultados obtiveram compatibilidade com os apresentados por Provenza (2010), no qual 2,6% dos caninos apresentaram ecogenicidade reduzida com hepatomegalia.
Em felinos, a colangioepatite é uma doença caracterizada pela inflamação dos ductos biliares e do parênquima hepático, também podendo levar a redução da ecogenicidade do parênquima hepático e maior visibilização da arquitetura venosa portal (NEWELL et al.,1998 apud D’ANJOU, 2011, p.225). É comum observar a presença da associação de alterações em vesícula biliar como a ocorrência de lama biliar, cálculos biliares e colecistite associada à diminuição da ecogenicidade nos casos de colangioepatite felina (BILLER, 1992 apud D’ANJOU, 2011, p.225). A associação da redução da ecogenicidade hepática com alguma anormalidade no sistema biliar foi observada em 1,7% dos felinos neste trabalho.
O fígado pode apresentar ecogenicidade aumentada do parênquima de forma uniforme em várias afecções, incluindo, esteatose hepática (ou lipidose hepática), hepatite crônica, cirrose, hepatopatias esteroidais e em alguns casos de linfossarcoma também foram relatados (PENNICK et al., 2015). No presente trabalho foi observado aumento da ecogenicidade em 44,3% dos caninos e em 57,6% dos felinos, sendo a principal alteração encontrada em ambas as espécies. Esses resultados foram totalmente diferentes dos apresentados por Lopes (2012), com aumento da ecogenicidade em 6,28% dos caninos e 6,04% dos felinos, devido ao maior número de animais avaliados e a ausência de restrição de idade dos animais no presente trabalho.
Esteatose ou infiltração gordurosa hepática ocorre comumente em gatos após longos períodos de jejum ou secundários a obesidade (HERRGESELL et al., 2005). Outras enfermidades como diabetes mellitus, pancreatite aguda e colangioepatites também podem levar à condição secundária de lipidose hepática (SEVERO, 2011).
A infiltração gordurosa hepática nos casos secundários a diabetes mellitus ocorre devido ao grande aporte de ácidos graxos no fígado, por falta de insulina ou de seus receptores, ocorrendo assim uma baixa captação de glicose celular, levando a uma sobrecarga hepática; pode ocorrer tanto nos cães quanto nos gatos (SEVERO, 2011).
No exame ultrassonográfico, além do aumento da ecogenicidade, hepatomegalia pode ser observada nos animais com lipidose hepática e hepatopatias esteroidais. Em casos graves de lipidose hepática, o parênquima apresenta ecogenicidade maior que a da gordura do ligamento falciforme, embora já tenha sido relatado que animais com obesidade sem apresentar lipidose hepática, também podem apresentar ecogenicidade aumentada comparada com a gordura do ligamento falciforme (HERRGESELL et al., 2005). No presente trabalho foi observada a associação de aumento da ecogenicidade e hepatomegalia em 16,8% dos caninos, sendo a terceira alteração mais observada nos cães estudados, e em 28,8% dos felinos, sendo a segunda alteração mais observada nesta espécie. Os resultados fo-ram incompatíveis com os apresentados por Provenza (2010), no qual 3,9% dos caninos apresentaram aumento da ecogenicidade com hepatomegalia, decorrente do maior número de animais observados no presente trabalho.
No exame ultrassonográfico do fígado em que este se apresenta com diminuição de suas dimensões associado à ascite, presença de nódulos regenerativos, margens irregulares, além do aumento da ecogenicidade, pode ser forte indicativo de hepatite crônica e cirrose. Os vasos portais podem ser pouco visibilizados e de difícil distinção entre eles, por contada fibrose hepática e aumento da ecogenicidade do parênquima. Aumento de ecogenicidade focal também pode ser observado nestes casos, associada à fibrose e calcificação hepática (HERRGESELL et al., 2005). No presente trabalho não foi observada a associação destas alterações, no entanto, o aumento da ecogenicidade associado à diminuição do tamanho hepático foi observado em 1,3% dos caninos e em 1,7% dos felinos.
Algumas afecções como neoplasias, síndrome hepatocutânea e amiloidose hepática podem levar a alterações parenquimatosas mistas, apresentando pontos hiperecoicos e hipoecoicos no parênquima hepático (Figura2) (HERRGESELL et al., 2005). No presente trabalho foi observada ecogenicidade mista em 4,1% dos caninos e em 3,4% dos felinos. Os resultados foram incompatíveis com os apresentados por Lopes (2012) em relação aos caninos, no qual 15,6% apresentaram ecotextura heterogênea, nos felinos 4,03% apresentaram. A diferença dos cães para o presente trabalho é devido aos animais observados por Lopes (2012), possuírem idade acima de 10 anos, ocorrendo assim maiores alterações relacionadas à geriatria.
Quando as neoplasias afetam de forma difusa o parênquima hepático, o fígado tende a apresentar ecotextura grosseira e ecogenicidade mista focalizada ou de forma generalizada no parênquima, associadas à hepatomegalia. É necessário nestes casos, biópsia hepática para diagnóstico diferencial e definitivo (HERRGESELL et al., 2005). Segundo Watson (2015), neoplasia primaria hepática é incomum ou rara nas espécies caninas e felinas. No presente trabalho foi observada a associação de ecogenicidade mista com hepatomegalia em 2,6% dos caninos e em 1,7% dos felinos, sendo compatível com a afirmação.
Amiloidose hepática é caracterizada pelo acúmulo de proteínas formadas de bainhas B-plisadas de fibrilas não ramificadas, ocasionada por diversos distúrbios e acometendo diversas espécies de animais (SEVERO, 2011). É relatada a ocorrência primária em cães da raça Shar Pei e gatos das raças Abissínio e Siamês. Ultrassonograficamente os cães afetados tendem a apresentar hepatomegalia e alterações de parênquima, já os felinos apresentam alterações de parênquima como ecogenicidade mista e parênquima heterogêneo de forma difusa (BEATTY et al., 2002 apud D’ANJOU,2011, p.227). No presente trabalho foi observada a associação de hepatomegalia e ecogenicidade mista em 2,6% dos caninos e ecogenicidade mista com parênquima heterogêneo em 3,4% dos felinos.
Anormalidades do sistema biliar
A colestase biliar pode ocorrer de forma intra-hepática ou extra-hepática (ROTHUIZEN,2009 apud SANTA, 2014, p.23). Geralmentea obstrução extra-hepática (ou colestase extra-hepática) tem como etiologia corpos estranhos, colelitíase, parasitas, neoplasias e fibrose por processo inflamatório crônico, com isso, ocorrem à obstrução dos ductos biliares próximos ao local (SEVERO, 2011). As causas intra-hepáticas estão relacionadas à doença hepática, como por exemplo, colangioepatite, peritonite infecciosa felina e toxoplasmose (ROTHUIZEN, 2009 apud SANTA, 2014,p.23). Abscessos, pancreatite e linfoadenopatia local também são citados como causas de obstrução do ducto biliar comum. O melhor método para detectar obstrução biliar é a cintilografia, porém a ultrassonografia é um meio de mais fácil acesso, sendo amplamente utilizada para avaliar esse tipo de distúrbio. É muito importante o uso da ultrassonografia em casos de obstrução biliar em cães e gatos, pois através deste exame, pode-se diferenciar a causa da icterícia que esses animais venham a apresentar, realizando o diagnóstico diferencial de doença hepatocelular, principalmente quando os exames sorológicos para enfermidades infecciosas não tiverem resultados específicos (HERRGESELL et al., 2005).
Ultrassonograficamente somente a dilatação do ducto biliar não pode ser confirmatória para identificar obstrução, principalmente por possível sobreposição de gás intestinal. Primeiramente é visibilizada a vesícula biliar mais distendida e aumento do ducto comum no exame, e posteriormente, o ducto extra-hepático pode estar dilatado em torno de 48 horas, já os intra-hepáticos, somente em casos de obstrução completa por mais de cinco dias. Em gatos com obstrução biliar extra-hepática, foram encontrados ductos biliares comuns com mais de cinco mm de diâmetro. É possível identificar após seis dias de obstrução completa, os ductos intra-hepáticos dilatados na região periportal, sinal conhecido como “tiro de espingarda”. Os ductos biliares com seu calibre aumentado são comumente confundidos com os vasos portais, devido as suas paredes ecogênicas, com isso, o uso da ultrassonografia Doppler pode auxiliar na diferenciação destes. Para facilitar o diagnóstico, pode ser feita a administração de colecistoquinina e mensurar com o uso do ultrassom a distensão da vesícula biliar, avaliando uma hora antes e depois da administração, para possível comparação. Após administração de colecistoquinina, foi relatada a diminuição de menos de 20% das dimensões da vesícula em cães obstruídos (HERRGESELL et al., 2005). No presente trabalho foi observada a presença do ducto colédoco dilatado em 0,9% dos caninos e em 6,8% dos felinos. Os resultados são compatíveis com os apresentados por Lopes (2012), com vias biliares dilatadas em 0,30% dos caninos e em 7,26% dos felinos.
Presença de sedimento biliar ecogênico pode ser encontrada em animais hígidos ou com jejum prolongado, e também pode estar associada a patologias da vesícula biliar. Normalmente os sedimentos biliares não causam a formação de sombra acústica, sendo comum esta em casos de colelitíase. Assim, deve ser feita a avaliação para a presença de cálculos biliares em casos da presença deste artefato. Nestes casos, pode ser realizada a mudança do decúbito do animal ou movimentos com o transdutor, para observar a movimentação de possível cálculo biliar (HERRGESELL et al., 2005). Nos felinos, é comum a associação de patologias inflamatórias em casos de colelitíase, como a colangioepatite e a colecistite (EICH & LUDWIG, 2002 apud D’ANJOU,2011, p.245).
Ultrassonograficamente os colélitos apresentam-se como estruturas hiperecogênicas, móveis, produtores de sombra acústica e são bem definidos (MAYHEW et al., 2002 apud D’ANJOU, 2011, p.245). O gás intestinal pode atrapalhar a observação de cálculos localizados nos ductos biliares, assim como também pode simular a presença de um cálculo biliar através da formação de artefatos. Deve-se fazer o diagnóstico diferencial para gás, fibrose hepática, calcificação distrófica e corpos estranhos. A radiografia abdominal pode auxiliar no diagnóstico em casos de cálculos biliares radiopacos (HERRGESELL et al., 2005). No presente trabalho foi observada presença de estrutura hiperecoica formadora de sombra acústica em 2,6% dos caninos e em 3,4% dos felinos. Os resultados apresentaram pouca diferença para os de Lopes (2012), com litíase em 0,76% dos caninos e em 2,42% dos felinos, devido ao maior número de animais observados no presente trabalho.
A parede da vesícula biliar pode ser considerada espessa em casos no qual a sua espessura ultrapasse um milímetro em gatos e dois a três milímetros em cães. Existem algumas causas para o espessamento da parede da vesícula incluindo edema, hepatites (crônicas e agudas) e neoplasias, porém a principal causa é a colecistite aguda ou crônica (NYLAND & PARK1983; SPAULDING 1993; HITTMAIR et al.,2001 apud D’ANJOU 2011, p.241).
Em casos de colecistite aguda, o paciente pode sentir dor na região ao ser pressionada pelo transdutor no local durante o exame ultrassonográfico, sendo denominado de sinal de Murphy. Ultrassonograficamente além da presença da parede espessada da vesícula pode haver presença de colelitíase ou sedimentos biliares (NYLAND et al., 2015). Nos casos mais agudos, pode ser observado o aspecto de parede dupla (Figura 3), pelo edema de parede, porém a presença de líquido livre abdominal também pode levar a essa alteração (D’ANJOU, 2011). A colecistite aguda pode se apresentar na forma enfisematosa, que além da espessura da parede aumentada, pode apresentar hiperecogenicidade do lúmen e artefatos de reverberação na sua porção intraluminal, derivados da formação de gás, podendo ser visibilizado até mesmo no exame radiográfico (HERRGESELL et al., 2005).
A presença de hipoecogenicidade do parênquima hepático facilita a visibilização de alterações de espessura da parede da vesícula, fato observado comumente em casos de colangioepatite felina (D’ANJOU, 2011).
Com a cronicidade da inflamação da parede (colecistite crônica), seu aspecto ultrassonográfico tende a apresentar diferentes formas, que além da espessura da parede aumentada, pode ser observada mineralização da parede. Com a formação de fibrose atrapalhando a distensão da vesícula, esta pode ser de difícil identificação no exame ultrassonográfico em casos de inflamações muito crônicas, e também pode ser encontrada a presença de cálculos biliares (HERRGESELL et al., 2005). No presente trabalho foi observada a presença de espessamento de parede em 6,6% dos caninos e em 5,1% dos felinos. Os resultados não são compatíveis com os apresentados por Lopes (2012), com espessamento de parede em 1,21% dos caninos e em 0,81% dos felinos, devido ao maior número de animais observados no presente trabalho.
Ainda existem as mucoceles de vesícula biliar, que podem gerar espessamento da parede, distensão e formação de massa intraluminal não responsiva as mudanças de posicionamento do animal (HERRGESELL et al., 2005). No presente trabalho não foi avaliada a presença da associação destas alterações.
Anormalidades da veia cava caudal e veias hepáticas
Normalmente a dilatação das veias hepáticas é indicativa de distúrbio cardíaco primário (coração direito), levando a uma congestão hepática. (HERRGESELL et al., 2005). Nos casos de congestão venosa, ocorre maior pressão sanguínea no interior da veia cava caudal e das veias hepáticas causando, assim, dilatação destas. Porém, não se descarta a possibilidade de uma obstrução vascular, seja ela causada por tromboembolismo ou em casos de neoplasias. (BILLER, 1992 apud D’ANJOU, 2011,p.255).
Ultrassonograficamente a associação de hepatomegalia, aumento do calibre dos vasos (veia cava caudal e veias hepáticas), ascite e hipoecogenicidade do parênquima, podem ser forte indício de insuficiência cardíaca direita. Em casos de ascite a associação com o calibre aumentado ou normal dos vasos pode indicar ou descartar a possibilidade de uma origem cardíaca ou não do líquido livre abdominal, sendo assim, nos casos de ascite de origem não cardiogênica os calibres dos vasos estão com seus diâmetros normais (HERRGESELL etal., 2005).
As principais causas de deficiência cardíaca direita incluem a estenose pulmonar, hipertensão pulmonar, efusão pericárdica, alterações de valva tricúspide, entre outras. Ao Doppler, pode ser observada a velocidade do fluxo sanguíneo reduzido nas veias hepáticas e cava caudal, e pode também ser observado fluxo invertido mais forte durante a sístole atrial (HERRGESELL et al., 2005).
Anormalidades da veia porta
Os desvios portossistêmicos são considerados as principais anormalidades vasculares das veias portas, e podem ser classificados como congênitos ou adquiridos. (PEZZI et al.,2011).
“Shunt” portossistêmico é caracterizado pela presença de um vaso tortuoso que faz a comunicação direta da veia porta com a veia cava caudal, impedindo assim que substâncias drenadas do sistema digestório passem pelo fígado para serem metabolizadas, assim, atingindo diretamente a corrente circulatória sistêmica (PEZZI et al., 2011).
Desvios portossistêmicos congênitos ainda não possuem uma causa genética bem definida, e podem ocorrer de forma intra ou extra-hepática, aparecendo solitários ou múltiplos. É relatada a ocorrência maior em cães de raças pequenas como Yorkshires Terriers, Schnauzers, Poodles, Shitzus, entre outras, ocorrendo, na maioria das vezes, a forma extra-hepática. Já em raças grandes a ocorrência é maior na forma intra-hepática. Nos felinos ocorrem mais comumente em Persas e Himalaios, porém não existe predileção racial, ocorrendo mais na forma extra-hepática nesta espécie (BICHARD & SHERDING, 2003 apud GODOY; SACCO, 2008, p.02).
Os desvios portossistêmicos congênitos podem ser diagnosticados pela ultrassonografia convencional e Doppler, angiografia e portografia, porém o melhor método diagnóstico é a cintilografia (HERRGESELL et al., 2005). Com o desvio portossistêmico, há uma diminuição do fluxo sanguíneo hepático, levando assim a uma diminuição do tamanho do fígado. (PEREIRA et al., 2008 apud GODOY; SACCO,2008, p.03). Ultrassonograficamente pode ser observada a presença do fígado diminuído, má observação das veias portas ou presença de vaso tortuoso em encontro com a veia cava caudal, sendo originado da veia hepática ou ázigos (HERRGESELL et al., 2005).
Segundo Watson (2015), desvios portossistêmicos congênitos são incomuns ou raros em gatos. No presente trabalho foi observada a presença de vasos tortuosos em 1% dos caninos e em 1,7% dos felinos, porém o número de cães avaliados foi maior do que o de gatos. A associação de tamanho hepático reduzido e presença de vasos tortuosos foram observadas em 0,4% dos caninos e em nenhum felino, sendo compatíveis com a afirmação.
Desvios portossistêmicos adquiridos ocorrem secundariamente à hipertensão portal. (TOBIAS, 2010 apud PEZZI et al., 2011, p.166). A hipertensão portal pode ter causas pré-hepáticas (trombose, neoplasias), hepáticas (doença crônica hepática) ou pós-hepáticas (trombose) (HERRGESELL et al., 2005). Existem comunicações microvasculares afuncionais entre a rede portal e a veia cava em cães e gatos em condições fisiológicas normais. Em casos de hipertensão portal, essas comunicações dilatam-se de forma compensatória e se tornam funcionais, formando os desvios portossistêmicos adquiridos. (JOHNSON, 2004 apud PEZZI et al., 2011, p.167). O exame de ultrassom comum permite o diagnóstico de shunt portossistêmico adquirido extra-hepático, secundário à hipertensão portal por doença hepática crônica, observando no exame a presença de vasos portais tortuosos e dilatados na região de hilo hepático. (HERR-GESELL et al., 2005). No presente trabalho não foi avaliada a presença de vasos portais tortuosos dilatados na região do hilo hepático.
Outra anormalidade da veia porta é a obstrução por trombos ou neoplasias, levando a hipertensão portal. Geralmente a trombose portal, em cães, é secundária a doença renal, pancreatite, hiperadrenocorticismo, neoplasias, entre outras causas. É rara a ocorrência em cães e gatos e no exame ultrassonográfico geralmente se observa tamanho hepático normal e presença de dilatação portal (HERR-GESELL et al., 2005). Segundo Watson (2015), trombose crônica de veia porta é mais observada na espécie canina em comparação com a felina. No presente trabalho não foi avaliada a presença da associação de tamanho hepático normal com dilatação portal, no entanto, foi observada a presença de dilatação portal em 0,14% dos caninos e em nenhum felino. Médias de idade dos animais A prevalência de doenças hepáticas não está relacionada com o envelhecimento em humanos, porém as doenças crônicas do fígado (cirrose, lipidose hepática, hepatites virais e autoimunes, entre outras) são mais observadas na população mais velha, devido ao seu tempo de evolução. Em cães e gatos não é diferente, pois essas doenças também acometem esses animais (PROVENZA, 2010). No presente trabalho foi observada média de idade de 8,7 anos para caninos e de 6,5 anos para felinos, apresentando alterações relacionadas ao sistema hepatobiliar, dados estes que foram compatíveis com a afirmação. Os resultados foram incompatíveis com os apresentados por Lopes (2012), a qual a média de idade dos cães foi de 12,21 anos e de 13,03 anos nos felinos, decorrente do fato de que os animais avaliados no presente trabalho não possuírem restrições de idade, diferentemente dos estudados por Lopes (2012), no qual todos possuíam idade acima de 10 anos.
CONCLUSÕES
Por meio deste estudo, pôde-se observar que o aumento da ecogenicidade do parênquima hepático de forma difusa foi a principal anormalidade observada, tanto nos cães quanto nos gatos (44,30% e 57,60% dos cães e gatos respectivamente), podendo ser causada por doenças como hepatite crônica, cirrose hepática, lipidose hepática, hepatopatias esteroidais e casos de linfossarcomas hepáticos.
A segunda anormalidade mais prevalente no presente trabalho foi a ecogenicidade aumentada de forma difusa, associada à presença de hepatomegalia nos felinos (28,80%), que podem ser causadas por doenças como lipidose hepática e hepatopatias esteroidais; já nos cães, a presença de ecogenicidade reduzida do parênquima hepático de forma difusa (20,40%) prevaleceu, e pode ser decorrente de afecções como hepatite aguda, congestão passiva do fígado, leucemia e linfoma. As médias de idade observadas dos animais com alterações ultrassonográficas do sistema hepatobiliar foram de 8,7 anos para cães e de 6,5 anos para gatos.
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Valeska Rodrigues
Graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003); Mestrado em Cirurgia Veterinária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2006); Doutorado em Cirurgia Veterinária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2009); Atualmente é docente da Universidade de Franca, no curso de Medicina Veterinária, atuando principalmente nos seguintes temas: Diagnóstico por Imagem, Fisiopatologia da Reprodução, Reprodução Animal, Ginecologia e Obstetrícia Veterinária, Anatomia Veterinária. Imagionologia para o curso de Biomedicina (Fonte: Currículo Lattes, modificado). Presta serviço de ultrassonografia veterinária desde 2009 até os dias atuais.
André Luiz Sampaio Fernandes
Graduação em Medicina Veterinária – UNIFRAN/SP; Residência em Clínica Médica de Pequenos Animais – UNIFRAN/SP; Mestre em Ciência Animal – ênfase em nefrologia e urologia – UNIFRAN/SP; Responsável pelos setores de Clínica Médica e Nefrologia e Urologia de Pequenos animais da Clínica Veterinária Nucleon Diagnósticos Veterinários situada em Ribeirão Preto-SP.
Paulo Dernovsek Zerbinatti
Graduação em Medicina Veterinária – Centro Universitário Moura Lacerda/SP – 2007; Capacitação em Ultrassonografia Abdominal de Pequenos Animais – Ribeirão Preto/SP – 2010; Possui diversos cursos Intensivos em diversas áreas da ultrassonografia; Ultrassonografista na Nucleon Diagnósticos Veterinários.