PESQUISA INÉDITA INDICA QUE MAIS DE 8 ENTRE 10 CÃES COM OSTEOARTRITE TAMBÉM APRESENTAM DOR MIOFASCIAL
Por Profa. Dra. Maira Formenton
Recentemente, um estudo de grande escala conduzido pela Universidade de São Paulo (FM-VZ-USP) trouxe evidências inéditas sobre a dor muscular em cães, revolucionando a compreensão da dor musculoesquelética na espécie. Os achados indicam que mais de 8 entre 10 cães com osteoartrite também apresentam dor miofascial, sugerindo que essa condição está subdiagnosticada e subtratada na prática clínica veterinária. A pesquisa destaca que muitos desses pacientes persistem com sinais clínicos como dor e claudicação, mesmo sob manejo convencional da OA, o que indica a necessidade de uma abordagem terapêutica que contemple não apenas a doença articular, mas também o componente muscular.
O QUE É A SÍNDROME DE DOR MIOFASCIAL?
A Síndrome Dolorosa Miofascial (SDM) é uma das desordens musculoesqueléticas mais prevalentes na prática clínica, caracterizando-se pela presença de pontos-gatilho miofasciais (PGs), que são nódulos hipersensíveis localizados em bandas tensas do tecido muscular. Essa condição envolve não apenas os músculos, mas também as fáscias e demais componentes do tecido conjuntivo, tendo um impacto significativo na funcionalidade e na qualidade de vida dos pacientes. A despeito de sua alta incidência, a SDM continua sendo subdiagnosticada, frequentemente confundida com outras patologias dolorosas, como bursites, tendinites e osteoartrites, devido à sobreposição sintomatológica e à ausência de biomarcadores específicos que facilitem seu reconhecimento clínico. Em humanos, a prevalência é alta em pacientes com outras afecções musculoesqueléticas, como a osteoartrite. Uma vez formados, os PGs podem evoluir para um estado crônico devido à perpetuação dos mecanismos fisiopatológicos mencionados. A dorl eva a uma diminuição do recrutamento de unidades motoras, gerando fraqueza muscular e comprometimento funcional. O ciclo de retroalimentação entre dor, espasmo muscular e déficit metabólico dificulta a resolução espontânea dos PGs, e a intervenção terapêutica precoce evita a progressão da disfunção musculoesquelética. Seu manejo clínico inclui abordagens como terapia manual, técnicas de liberação miofascial, agulhamento seco e reabilitação motora, para restaurar a função muscular e minimizar a sensibilização nociceptiva.
Fonte: Extraído de: Formenton, M.R.; Portier, K.; Gaspar, B.R.; Gauthier, L.; Yeng, L.T.; Fantoni, D.T. Location of Trigger Points in a Group of Police Working Dogs:
A Preliminary Study. Animals 2023,13,2836. https://doi.org/10.3390/ani13182836
O QUE SABEMOS EM CÃES SOBRE A DOR MIOFASCIAL?
Na medicina veterinária, a investigação da SDM ainda é incipiente, mas um estudo pioneiro buscou estabelecer critérios padronizados para a identificação de pontos-gatilho miofasciais em cães. Nesse estudo, a palpação dos PGs foi sistematizada com base na detecção de áreas hiper-reativas dentro do tecido muscular, cuja estimulação provocasse uma resposta contrátil reflexa sugestiva de dor. A avaliação da reação dolorosa em cães foi rigorosamente padronizada e incluiu manifestações comportamentais específicas, tais como vocalização, movimento reflexo da cabeça em direção à área palpada ou ao examinador, rosnado, tentativa de mordida, flexão da coluna ou comportamento de fuga, todos indicativos de desconforto significativo, além da resposta contrátil local típica, chamada de twitch response (Figura 1).
A amostra final incluiu doze cães, sendo que todos os cães apresentaram pelo menos um PG, totalizando 72 PGs detectados, com uma média de seis por animal (Figura 2). Destes, 42 (58%) foram encontrados no lado direito e 30 (42%) no lado esquerdo. A maior frequência de PGs foi observada nos músculos da região lombar (44%) e dos membros pélvicos (47%), enquanto apenas 8% dos PGs foram detectados nos membros torácicos (Figura 2). Os músculos mais afetados foram olongissimus lumborum (42%), olatissimus dorsi (33%), o quadríceps femoris (33%), opectíneo (33%) e o sartório (33%) (Figura 2). Os achados sugerem que cães de trabalho, assim como humanos e outras espécies, desenvolvem PGs em resposta a atividades físicas intensas e repetitivas. A segunda parte do estudo, realizada em parceria da Universidade de São Paulo e a Universidade de Lyon (VetAgro-SUP –França) teve como objetivo determinar a prevalência da dor miofascial e a localização de pontos-gatilho em cães com osteoartrite.
Fonte: Extraído de: Formenton MR, Fantoni DT, Gauthier L, Cachon T, Yeng LT and Portier K (2025) Prevalence and location of myofascial trigger points in dogs with osteoarthritis. Front. Vet. Sci. 12:1488801. doi: 10.3389/fvets.2025.1488801
Fonte: Extraído de: Formenton MR, Fantoni DT, Gauthier L, Cachon T, Yeng LT and Portier K (2025) Prevalence and location of myofascial trigger points in dogs with osteoarthritis. Front. Vet. Sci. 12:1488801. doi: 10.3389/fvets.2025.1488801
Esta segunda parte do estudo trouxe o primeiro mapeamento da doença em cães. Trinta e cinco cães foram selecionados e examinados para detecção de PGs por palpação, realizada por dois examinadores independentes. Além disso, foram investigadas correlações entre idade, número de PGs e sua localização, bem como a relação entre PGs e as articulações afetadas pela OA.
Trinta dos 35 cães (86%) apresentaram pelo menos um PG, enquanto apenas cinco (14%) não tiveram nenhum. No total, foram identificados 177 PGs, com uma média de seis PGs por animal (Figura 3).
A maior prevalência de PGs foi observada nos músculos longissimus thoracicae (40% e 43% nos lados esquerdo e direito, respectivamente), seguido pelo quadríceps femoris (40% e 31%), longissimus lumborum (20% e 23%), glúteo médio e deltóide (14% apenas no lado esquerdo) e pectíneo (11% apenas no lado direito). A maioria dos PGs (54%) estava localizada na região lombar e torácica, enquanto 36% foram encontrados nos membros pélvicos e apenas 9% nos membros torácicos.
Também foi encontrada uma correlação positiva entre idade e número de PGs por cão, indicando que cães mais velhos apresentavam maior número de PGs. No entanto, não houve correlação significativa entre o número de articulações osteoartríticas e o número de PGs. Além disso, não foi encontrada relação entre a presença de PGs em músculos próximos às articulações afetadas e a OA, sugerindo que a distribuição dos PGs não segue necessariamente a localização das articulações acometidas pela osteoartrite.
Este foram os primeiros estudos a abordar a prevalência, localização e correlações de PGs em cães. Os resultados indicam uma alta prevalência de PGs nesses pacientes, similar ao observado em humanos com OA.
A dor miofascial pode contribuir para a sensibilização central e aumentar a percepção da dor articular, como já demonstrado em estudos humanos. Dessa forma, a avaliação da dor miofascial deve ser incorporada à rotina ortopédica, permitindo um diagnóstico mais preciso e um plano terapêutico mais eficaz para o controle dador crônica em cães.
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Profa. Dra. Maira Formenton
Membro Ambulatório de Dor FMVZ USP;
Professora e coordenadora Instituto Bioethicus;
Professora convidada IBVET;
Diretora e Proprietária Centro de Referência em Reabilitação Fisioanimal.
Instagram: @dramairaformenton