Por: Por Angela Velloso Braga Yazbek
A preocupação com a Qualidade de Vida (QV) tem sido cada vez mais frequente na Medicina Veterinária e os conceitos humanos de QV, cada vez mais adaptados e aplicados aos animais (MCMILLAN, 2003).
Uma das definições do termo “Qualidade de Vida” para os animais foi definida por McMillan (2000), como a ausência ou a presença, por mínimo que seja, de desconfortos físicos (p.ex. náusea, prurido, dor, tosse, dispneia) e emocionais (p.ex. medo, ansiedade, solidão, frustrações).
O prurido, ou prurigem, é um sintoma cardeal que gera intenso desconforto e sofrimento do animal que se estende aos seus tutores, os quais ficam angustiados com esse sintoma desagradável. Quando falamos em dermatopatias, uma das principais motivações à procura por assistência Médico Veterinária é a presença de prurido corpóreo, porque o tutor também apresenta incômodo ao observar seu animal de estimação sofrendo por tal sintoma (LARSSON e LUCAS, 2020).
O prurido é desencadeado pela estimulação de terminações nervosas livres, desprovidas de receptores especiais, dispostas na junção dermoepidérmica. Em caso de persistência do estímulo e de seu aumento progressivo gera-se a dor. Tanto o prurido quanto a dor, são, portanto, distintas respostas, variando apenas quantitativamente. O prurido pode ser classificado em: protopático (difuso, de localização incerta) e é eliciado através de estimulação de fibras amielinizadas (fibras C) e epicrítico (localizado, repentino, agudo) e envolve fibras delta A. Ambos os tipos de fibra (C e delta-A) fazem a condução dos impulsos, pela raiz nervosa dorsal dos nervos espinhais à medula espinhal (LARSSON e LUCAS, 2020).
A coçagem pode ser benéfica em alguns casos, como por exemplo, na remoção de agentes irritantes, como insetos. Porém, na maioria dos casos ela acaba sendo deletéria, pois causa danos a epiderme pelo autotraumatismo, sensibilizando-a e tornando-a reativa a novos estímulos (LARSSON e LUCAS, 2020).
A pele, conjuntivas palpebrais, orelhas, patas, junções mucocutâneas são regiões muito suscetíveis ao prurido e observamos muito isso nas dermatopatias alérgicas. Mas não observamos esse sintoma apenas nas doenças alérgicas, mas também por fatores distintos, como:
– Agentes desencadeantes: ácaros, insetos, venenos, fármacos, corantes, fungos etc.;
– Agentes perpetuantes: noxas físicas (calor, frio, fricção) e químicas (xampus, sabões), roupas, exercício, inatividade;
– Agentes exógenos: ectoparasitas, ambiência;
– Agentes endógenos: metabólicos, neoplásicos (linfoma epiteliotrópico), imunomediados (alergopatias tegumentares), autoimune (complexo pênfigo), fisiológico (senil, gestacional) (LARSSON e LUCAS, 2020).
O prurido corpóreo, independente da causa, pode levar o animal a apresentar alterações comportamentais, tais como: agitação, irritabilidade, automutilação, dificuldade para conciliar o sono, diminuição da interação com o tutor, entre outros.
As dermatoses, em geral, e o prurido, principalmente, causam um impacto negativo na qualidade de vida do cão, e também do gato (PLANT, 2007). Várias dermatoses podem cursar com prurido, como: doenças alérgicas, doenças parasitárias, infecções bacterianas e fúngicas, doenças autoimunes, neoplasias.
O prurido é a principal manifestação clínica evidenciada na Dermatologia Canina e, caracteriza-se por uma sensação angustiante, aflitiva e muito enfatizada pelos tutores, pois infringe sofrimento a todos. Por este motivo, a presença de prurido atua como indicador para avaliar a QV dos pacientes.
E como avaliar a intensidade do prurido? Assim como a dor, existe subjetividade para a sua caracterização. O jeito mais prático no dia a dia é solicitar aos tutores que outorguem uma nota de “zero” (prurido mínimo) a “dez” (prurido máximo). Não é raro que preferências numerológicas sejam citadas para quantificar o prurido, além de ser muito subjetivo já que para uma pessoa, uma nota 10 pode ser nota 7 para outra.
Por esse motivo, algumas escalas foram desenvolvidas para quantificar o prurido de forma mais criteriosa.
ANEXO 1– Escala de Qualidade de Vida em cães com prurido corpóreo (Yazbeket al. 2010)
ESCALA DE QUALIDADE DE VIDA EM CÃES COM PRURIDO CORPÓREO
Identificação do proprietário:
Nome:………………
Endereço:……………………………Telefone:……………….
Identificação do animal:………..Nome:………… Raça:……………. Sexo:…………… Idade (meses):…..
RG/HOVET-USP:
1. O seu animal está se coçando?
( ) 0.sim, bastante
( ) 1.sim, moderadamente
( ) 2. às vezes, mas é uma coceira normal
2. Você acha que a coceira prejudica a vidado seu animal?
( ) 0. prejudica muito
( ) 1. prejudica pouco
( ) 2. não prejudica
3. O seu animal está comendo?
( ) 0. ele não está comendo
( ) 1. ele está comendo menos pois pára de comer para se coçar
( ) 2. ele come normalmente
4. O seu animal está brincando?
( ) 0 .ele não está mais brincando
( ) 1. ele brinca menos
( ) 2. está brincando normalmente
5. O seu animal está interagindo com a família e com outros animais?
( ) 0. não, ele está isolado
( ) 1. está interagindo menos
( ) 2. sim, ele interage normalmente com a família e outros animais
6. O seu animal está dormindo?
( ) 0. ele não dorme para se coçar
( ) 1. ele está dormindo menos pois acorda para se coçar
( ) 2. ele dorme normalmente
7. O seu animal está apresentando odor desagradável na pele/pêlo?
( ) 0. sim, o odor é bem desagradável
( ) 1. houve uma leve alteração no odor
( ) 2. não, ele não apresenta odor desagradável
8. O seu animal está irritado?
( ) 0. sim e muito
( ) 1. sim e pouco
( ) 2. não
9. O seu animal está triste?
( ) 0. sim, muito
( ) 1. sim, um pouco
( ) 2. não
10. Como está a movimentação/mobilidade do seu animal na casa?
( ) 0. diminuiu bastante
( ) 1. diminuiu um pouco
( ) 2. não alterou/ele se movimenta como sempre
11. O seu animal lambe/mordisca ou morde os membros?
( ) 0. sim, em grande parte do tempo
( ) 1. sim, um pouco
( ) 2. não
corpóreo (YAZBEK; LARSSON, 2010)
Quanto maior a intensidade do prurido, menor a qualidade de vida do paciente.
E qual a importância em avaliarmos de forma criteriosa, a intensidade do prurido e da qualidade de vida?
A avaliação da QV tem se tornado uma ferramenta útil para avaliar a eficácia de tratamentos, sejam eles paliativos ou terapêuticos.
Além disso, a “Food and Drugs Administration” (FDA) utiliza informações sobre a “QV relacionada à saúde” para aprovar a introdução no mercado de novos fármacos (PASSIK;KIRSH, 2000).
Todas as doenças alérgicas, mormente a Dermatite Atópica Canina (DAC), cada vez mais frequente na rotina de atendimento dermatológico afetam, e muito, a QV dos nossos pacientes, os quais apresentam perda da qualidade do sono, letargia ou agressividade, dor, depressão e outras alterações comportamentais.
A DAC foi um dos principais motivos a levar alguns autores a desenvolverem questionários para avaliar o impacto da doença na QV dos pacientes, e também de seus tutores, e de sua interação com o animal (FAVROTet al.,2010).
Em um estudo finalizado em 2010 (Yazbek; Larsson) foi avaliada a QV de cães atópicos tratados com ciclosporina, antes, durante e após o tratamento com o fármaco (através de um questionário de QV e uma escala Qualitativa de Prurido, ambos desenvolvidos pelos mesmos autores do estudo) e estão disponíveis nos anexos 1 e 2. Concluiu-se que a ciclosporina foi capaz de melhorar a QV dos pacientes caninos, após 30 e 60 dias de tratamento com o fármaco, já que mostrou-se eficaz na redução do prurido nesse período.
Portanto, quanto mais ferramentas usarmos na avaliação do prurido dos nossos pacientes, tanto na primeira consulta como no retorno, para que possamos avaliar de forma mais objetiva possível, maior a chance de melhorarmos a Qualidade de Vida dos nossos pacientes e de seus tutores.
REFERÊNCIAS
FAVROT, C.; LINEK, M.; MUELLER, R.; ZINI, E. Developmentof a questionnaire to assess the impac to fatopic dermatites on health-related quality of life of affected dogs and their owners. Veterinary Dermatology, v.21, n.1, p.64-70, 2010.
LARSSON, C.E.; LUCAS, R. Prurido. In: TRATADO DE MEDICINA EXTERNA. DERMATOLOGIA VETERINÁRIA.2.ed. Interbook, 2020,p. 168-177.
MCMILLAN, F.D. Maximizing quality of life in animals. Journal of the American Animal Hospital Association, v.39, n.3, p. 227-235,2003.
PASSIK, S.D.; KIRSH, K.L. The importance of quality-of-life end points in clinical trials to the practicing oncologists. Hematol Oncol Clin North Am, v.14, p. 877-886, 2000.
PLANT, J.D. Repeat ability and reproducibility of numerical rating scales and visual analogue scales for canine pruritus severity scoring. Veterinary Dermatology, v.18, n.5, p.294-300, 2007.
YAZBEK, A.V.B.; LARSSON, C.E. Avaliação da eficácia e de ocorrência de efeitos adversos em cães atópicos tratados com ciclosporina. Dissertação (mestrado). Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina Veterinária. Departamento de Clínica Médica – Programa de Pós-Graduação em Clínica Veterinária, São Paulo, 2010. 56 p.
Graduada em Medicina Veterinária na Universidade Paulista em 2003. Curso de Especialização em Dermatologia Veterinária na FMVZ/USP concluído em 2005 (primeira turma).
Estágio pessoal no Serviço de Dermatologia do Hospital Veterinário da FMVZ/USP sob supervisão do Prof. Dr. Carlos Eduardo Larsson durante os anos de 2006 e 2007.
Mestrado em Clínica Médica na FMVZ/USP (Serviço de Dermatologia) concluído em 2010.
Atendimento volante de Dermatologia de cães e gatos.
Instagram:@dermatovet_angela_yazbek